Mestrado em Gestão e Políticas Ambientais
Universidade de Aveiro, 2003
link: http://ria.ua.pt/bitstream/10773/4476/1/345.pdf
resumo: As áreas costeiras, espaços únicos com uma riqueza natural extraordinária, são áreas polarizantes de actividades económicas e de concentrações urbanas, por vezes desajustadas às suas particularidades e sensibilidade, decorrendo daqui uma conflitualidade potencial de usos e interesses. Estes problemas das áreas costeiras verificam-se, também, nas áreas de Domínio Público Marítimo que delas fazem parte, as quais não deveriam estar ocupadas, mas sim preservadas e livres para o uso comum. Daqui surge a grande problemática da eficácia desta faixa como protecção terrestre em relação ao mar e, simultaneamente, do avanço das águas do mar obrigar ao avanço da mesma para o lado terrestre, originando conflitos com os proprietários dos terrenos afectados. Neste sentido, pretende-se com esta dissertação dar um contributo para a gestão mais eficaz destas áreas, através da análise da influência da recuperação do carácter público do Domínio Público Marítimo na sua qualificação. A gestão das áreas costeiras poderia tornar-se muito mais fácil e eficiente, se se conseguisse recuperar o carácter público das áreas de Domínio Público Marítimo, dado que os terrenos que dele fazem parte são do domínio público do Estado, levando a uma minimização dos habituais conflitos com proprietários particulares. Actualmente, a gestão destas áreas é uma tarefa complexa, visto que se encontram sob jurisdição de diversas entidades, e sob a aplicação de diversos diplomas legais e instrumentos de planeamento, ordenamento e gestão do território. A gestão efectiva das áreas de Domínio Público Marítimo concretiza-se através da aplicação do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro. No entanto, também os Planos de Ordenamento da Orla Costeira contribuem para essa gestão através do ordenamento dos diferentes usos e actividades da faixa costeira e da defesa e preservação dos recursos naturais, apesar de não se verificar uma forma específica no tratamento destas áreas, nem terem uma abrangência na sua totalidade. Na elaboração desta dissertação esteve subjacente a análise de dois casos de estudo, um em Portugal e outro no Brasil, dando a possibilidade de comparar a forma como se faz a gestão das áreas costeiras em ambos os países. No entanto, face aos diferentes contextos sócio-económicos e naturais em que ambos os países se enquadram, decorrem objectivos também diferentes, levando a uma gestão destas áreas, por vezes muito distinta, inclusivamente nas áreas respeitantes ao Domínio Público Marítimo que se encontram sujeitas a diferentes regimes de Direito. As dificuldades encontradas, subjacentes à recuperação do carácter público do Domínio Público Marítimo, levaram à elaboração de uma metodologia de aplicação ao seu âmbito territorial, como contributo para a qualificação das áreas costeiras.
O Domínio Público é constituído pelos bens que, e devido principalmente ao grau de
utilidade pública que possuem (aptidão para satisfazer necessidades colectivas), são
submetidos por lei a um regime especial de propriedade pública: não estão sujeitos a
alienação; não podem ser objecto de qualquer ónus; não podem ser objecto de
usucapião.
Segundo o Artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro,
“1 - Consideram-se do domínio público do Estado os leitos e margens das águas do mar
e de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, sempre que tais leitos e margens lhe
pertençam, e bem assim os leitos e margens das águas não navegáveis nem flutuáveis
que atravessem terrenos públicos do Estado.
2 – Consideram-se objecto de propriedade privada, sujeitos a servidões administrativas,
os leitos e margens das águas não navegáveis nem flutuáveis que atravessem terrenos
particulares, bem como as parcelas dos leitos e margens das águas do mar e de
quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis que forem objecto de desafectação ou
reconhecidas como privadas nos termos deste diploma.
3 – Consideram-se objecto de propriedade privada, sujeitas a restrições de utilidade
pública, as zonas adjacentes.
4 – Consideram-se objecto de propriedade privada, nos arquipélagos da Madeira e dos
Açores, os terrenos tradicionalmente ocupados junto à crista das arribas alcantiladas das
respectivas ilhas.”.
O Domínio Público Marítimo é a parte do Domínio Público Hídrico que diz respeito ao
leito e margem das águas do mar ou sujeitas à influência das marés (Fig. 3.1). Os
terrenos que se encontram em Domínio Público Marítimo distinguem-se do restante
Domínio Público Hídrico por serem do domínio público do Estado, enquanto que estes
outros podem ser de propriedade privada: “Consideram-se do domínio público do Estado
os leitos e margens das águas do mar e de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis
(...)” (Art. 5.º, n.º 1); “Consideram-se objecto de propriedade privada, sujeitos a servidões
administrativas, os leitos e margens das águas não navegáveis nem flutuáveis que
atravessem terrenos particulares (...)” (Art. 5.º, n.º 2).
Dado o possível avanço e recuo das águas do mar, os limites do Domínio Público
Marítimo ficam sujeitos a alterações e a área que lhe corresponde pode aumentar ou
diminuir, daqui o seu carácter dinâmico. No caso de diminuir, os terrenos sobrantes
passam a pertencer ao Domínio Privado do Estado, não havendo a possibilidade de
passarem para a posse de particulares. Existe, portanto, aqui uma inter-relação entre
ambos, os terrenos que deixem de pertencer ao Domínio Público Marítimo passam a
Domínio Privado do Estado.
Segundo Rua et al. (1996), o Domínio Público Marítimo como instrumento de gestão do
território é bastante importante na medida em que salvaguarda recursos naturais de
grande valor, nomeadamente locais e paisagens de grande interesse, espaços
necessários à manutenção do equilíbrio ecológico (praias, rochedos e dunas), zonas
húmidas e estuários, áreas agrícolas e florestais, entre outros. Pode, também, assegurar
o desenvolvimento de actividades económicas dependentes da área em questão,
nomeadamente actividades piscatórias, actividades agrícolas (que possam ser
valorizadoras da paisagem), actividades de turismo (enquadradas nos valores naturais
existentes), entre outras, pois os terrenos compreendidos em Domínio Público Marítimo
têm extremo valor enquanto suporte dessas actividades (Rua et al., 1996).
Ainda segundo o mesmo autor (1996), o ordenamento do território pode tornar-se muito
mais fácil e eficiente nesta área, uma vez que os terrenos do Domínio Público Marítimo
são do domínio público do Estado e, aquando da implantação de medidas ou mesmo de
planos de ordenamento do território, não surgem os conflitos com os proprietários
particulares como na restante área do território, eliminando-se, por exemplo, situações de
encargos relativos à compra de terrenos ou a expropriações. Aliás, pode verificar-se que
grande parte das intervenções dos POOC se dão em áreas de Domínio Público Marítimo,
exactamente porque são áreas onde é mais fácil intervir devido ao facto de não existir
direito de propriedade por parte de particulares sobre as mesmas. Posto isto, seria
desejável delimitar a área de Domínio Público Marítimo em toda a extensão da zona
costeira, particularmente em zonas de risco, facilitando assim a intervenção das
entidades competentes.
Outro factor bastante importante que facilita a gestão da área de Domínio Público
Marítimo é o facto das licenças para construção e uso privativo não terem carácter
definitivo (Rua et al., 1996). Estas licenças são emitidas apenas para um determinado
prazo, podendo ser ou não prorrogadas terminado esse prazo, verificando-se a primeira
situação só em casos especiais devidamente justificados (Rua et al., 1996). Em caso de
não serem prorrogadas, as construções devem ser removidas e o terreno deverá ser
deixado com as características iniciais (Rua et al., 1996).
Para o mesmo autor (1996), com a aplicação de taxas a gestão do Domínio Público
Marítimo pode auto-financiar-se, aplicando os valores auferidos na manutenção da área.
Também o ordenamento e desenvolvimento poderiam ser promovidos aplicando taxas
diferenciadas, incentivando, assim, a ocupação de determinadas áreas em detrimento de
outras (Rua et al., 1996). É evidente que, perante este tipo de situação, podem surgir
problemas do foro social, por falta de equidade e justiça.
Actualmente, também se verifica a ausência de equidade social entre os diversos
utilizadores destes terrenos, uma vez que aqueles que se encontram em situação legal
estão já a ser penalizados relativamente aos outros. No entanto, apesar da possível
consequência negativa, a situação que daí decorrerá é certamente melhor que a situação
que se verifica actualmente, visto que torna possível uma melhor protecção do bem
comum.
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